terça-feira, 10 de junho de 2008

O patriarca da familia




Por: António Centeio




Eram um casal de agricultores da classe média na região em que estavam inseridos. Proprietários de alguns hectares de terra. Obtinham na produção da mesma, receitas para que fosse considerada uma “casa tradicional” e rica para a época.
As carroças e os animais que possuíam eram a sua vaidade. As pessoas paravam na rua para ouvir o tilintar dos guizos dos cavalos. Os seus condutores enterneciam-se pelo que conduziam. Até os cavalos sentiam vaidade, levantando com brio a sua cabeça, mostrando assim, o brilho dos seus olhos e a sua beleza, de tão bem tratados que eram.
O casal sentia a falta de qualquer coisa para que a felicidade estivesse completa. Das entranhas dela, nunca saiu nada para que pudesse dizer “ carne da sua carne”. A vida continuaria geração após geração – A vida era um vazio e na solidão das noites sentiam que sem filhos, nada sentido.
Amélia era uma criança doce e educada. Tudo nela era ternura. Nos seus seis anos já mostrava sinais que, quando fosse adulta, seria uma mulher elegante e esbelta. Desde que era «gente» que participava acompanhada de seus pais nos serões na casa dos agricultores.
Aquilo que se esperava aconteceu. Pediram a sua perfilhação com a condição que a “pequena, passasse a viver naquela casa” como ali o seu futuro continuasse.
Tornou-se numa linda mulher com um futuro risonho. Um dia num encontro casual encontrou quem viria a ser pais de seus filhos. Um homem de primor. Elegantes que era, os bons fatos faziam parte da sua vestimenta como o perfume na sua higiene diária. Além da perfeição era um sedutor no uso da voz. Cantava com tal paixão que, quem o ouvia, deixava rolar nas suas faces as lágrimas da nostalgia do tempo. A sua entrega era de sentimento e encanto.
Desta felicidade nasceram dois filhos a que deram os nomes de Margarida e Moisés. Viam neles a continuação de um amor desejado como lhes prometeram aquilo que só os pais sabem assegurar. Mesmo com as diabruras da infantilidade, tudo lhes era perdoado. Os padrinhos deste jovem casal sentiram nos seus braços o calor de Margarida.
O patriarca da casa já não teve o prazer de ver e sentir Moisés porque tinha chegado o momento da sua partida para pouco tempo seguir a companheira. A dor da perda e a falta de quem tanto tinham amado abalou os alicerces daquilo que parecia tão sólido. O futuro iria sofrer as maiores mutações para estes quatro seres, quando ainda recentemente tudo mais não era do que o sonho de uma longa vida.
Numa tarde de Verão, quando a alegria transbordava com as diabruras de Moisés, o vento quente e sufocante chamou pelo pai das crianças, levando-o pela estrada à borda do Tejo até ao local predestinado ao chamamento do espírito.
Moisés não era tão inocente como o julgavam mesmo tendo apenas cinco anos. Compreendeu no olhar de aflição da sua vizinha que algo de grave tinha acontecido. Sentiu nas profundezas do seu intimo que tinha acabado de perder aquilo que mais amava na vida, o seu querido pai. Margarida que já tinha quinze anos suportou melhor a perda do pai mas para Moisés foi o momento mais cruel da sua vida. Ainda hoje, passadas algumas dezenas de anos, sente a falta daquilo que perdeu.
O “mundo” desabou para estes três seres acabando o destino por separar aquilo que outrora tão unido estava. Cada um teve que seguir os seus caminhos, especialmente Margarida, que estava tão perto de um novo futuro. A maior surpresa estava reservada para Amélia que ficou, nos seus braços, com o cargo de criar e educar sozinha o seu mais pequeno rebento.
- Meus Deus, como a vida prega partidas tão cruéis?
Tudo que herdou, desapareceu como a água que corre por debaixo de uma ponte. A sua beleza transformou-se em amargura. Da sua elegância, que em tempos era o seu orgulho apenas lhe restava as marcas do sofrimento.
Mas a sua grandeza contínua na memória dos vivos pela força que teve para contornar as dificuldades e saber suportar aquilo que a vida lhe deu sem nunca o desejar.


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