sábado, 25 de abril de 2009

As estrelas não estavam em harmonia

Por: António Centeio
Acácio nasceu num dia azarento de Março. Sua mãe, criada de servir assim se chamava em tempo a profissão, também nasceu no mesmo dia de calendário mas apenas com diferença de anos. Talvez no almanaque as estrelas não estivessem em harmonia.
De acordo, estava a vida cinzenta dos dois. A mãe, apenas esteve casada seis meses para até hoje nada saber de quem seu marido foi e pai de seu filho é. Nunca mais arranjou, nem quis, homem algum. Bastou-lhe quem de sua barriga saiu, como a este fazer um homem.
Ainda hoje, não sabe as razões porque o marido abandonou a casa, mesmo conhecedor de sua gravidez, Genoveva facilmente entendeu que o futuro ia ser composto de dias muitos escuros e que as dificuldades não iriam ser poucas. Uma mulher, sem recursos, sem uma profissão e, para azar seu, distante da família, nunca mais nada do planeado e projectado a dois, alguma vez se tornaria realidade.
Uma mulher de vintena e picos anos com o sabor amargo no corpo, que a vida levada, a ensinou que fazia parte de um mundo espinhoso. A futura, talvez um mar de amargura com algumas lágrimas vinagradas.
Não estava longe da verdade. Começou a servir aqui e ali tentando recolher alguns benefícios para que as dificuldades fossem superadas. Sem saber, começou a perceber que a vida é como uma moeda, tens duas faces. Quem a devia ajudar e estar a seu lado, exigia-lhe o que não podia dar por causa do seu frágil corpo e do estado em que se encontrava. Foi explorada até mais não poder, para poucos meses depois todos lhe voltarem a cara, pela simples razão de ter tido um filho bem pequeno.
Um filho que quando nasceu, sua mãe nem um cêntimo tinha no bolso, não fosse uma sua vizinha ter ajudado e pago o transporte para o hospital, talvez tivesse ido, no momento do nascimento, desta para melhor.
Valeu-lhe na infância do rebento, algumas almas caridosas que a ajudavam por via da Santa Casa da Misericórdia, tirando desta aquilo que era preciso para a recente mãe. Foram anos difíceis, passados numa amargura, num ódio silencioso e numa raiva interior que Genoveva mordia os lábios para se controlar e não deitar para fora tudo o que sentia bem dentro de si.
As pessoas que adoravam e gostavam do seu serviço foram as primeiras a lhe voltar as costas. Nada queriam com uma mãe solteira; as outras, diziam-se gente mas eram umas despiedosas. Em vez de ajudar quem estava a cair, ainda carregavam mais para que ficasse bem no fosso.
Acácio cresceu os anos mais difíceis de sua vida neste mundo de desprezo e abandono. Quando se apercebeu do que o rodeava, tornou-se numa criança calada e obediente com um enorme asco dentro de si, sem dar a conhecer aos adultos o que sentia. A natureza encarregou-se de lhe ensinar que nem todos são iguais, mesmo que não lhe desse a inteligência necessária para gostar dos livros.
Na escola, algumas crianças bem cedo souberam que o seu colega era o filho da Genoveva e do infortúnio. Fizeram dele mascote da turma. Tudo lhe davam e nada queriam que lhe faltasse. Destes, meia dúzia, levavam-no para suas casas, para do que tinham, com ele repartir como ainda do seu ambiente familiar fazer parte. Alguns, poucos, quando iam de férias com seus pais, faziam questão de levar quem nada tinha, para além de lhes fazer companhia.
Foram estas atitudes e amizades que contribuíram para Acácio não enveredasse por caminhos obscuros. Até à juventude, para onde fosse o grupo de amigos, o desfavorecido acompanhava-os sem gastar o quer que fosse. Até o levaram para o clube da terra para jogar futebol. Assim, sempre passeava e conhecia um pouco mais daquilo que o rodeava. O treinador tinha uma afeição especial por ele. Homem com alguma experiência, ensinou-lhe que a vida é como um jogo, ora se perde ora se ganha. Fez com que aprendesse, que por maior que seja a queda «a grandeza do homem é conseguir elevar-se e nunca se rebaixar a seus iguais».
Um dos seus grandes amigos da escola, fez com que fosse tirar um curso de formação. Hoje, é responsável pela logística de uma grande cadeia de hotéis. Nos seus tempos de lazer quando vêm à terra que o viu nascer, a primeira coisa que faz, antes de ir visitar a mãe, que continua a vida que tinha, é visitar quem nunca o abandonou. Os amigos e seus pais merecem uma especial atenção. Se é quem é, a estes pode agradecer.
Quem o conheceu e sabia da sua situação gosta de ver o Acácio, mesmo que alguns, lhe voltassem as costas quando mais precisava. Não lhes guarda rancor mas também não esquece quem o achincalhou e desprezou. Apenas não olha de frente para aqueles que num passado recente se faziam de santos homens para explorar ou usar o corpo da mãe.
Hoje sabe, que destes, alguns, apenas queriam ajudar a mãe, se esta lhe emprestasse o corpo a troco de prazer e dinheiro para que as dificuldades não fossem como foram.
Não os odeia, mas quando os vê e se lembra dos maus tempos, sente no fundo do seu coração o sabor das gotas amargas de raiva que o acompanharão para o resto da vida – é mais forte do que ele, mesmo compreendendo que é sempre preciso saber quando acaba uma etapa da vida. Nos momentos de cansaço, chama pela Genoveva, para que no seu colo descanse. Nunca culpa a mãe daquilo que não teve. Se culpado houver, pelo que passou, simplesmente é a vida ingrata que nos prega rasteiras quando menos esperamos. Sua mãe continua, segundo Acácio, a ser a melhor mulher do mundo.