quarta-feira, 28 de maio de 2008

Não chora pelo presente nem pelo futuro mas pelo passado


Por: António Centeio


Patrícia, de seu nome, veio da terra das mil e uma flores. De cara como uma concha, olha para tudo que a rodeia. Quando se senta nos bancos que de frente estão para o rio, que tanto gosta de ver, seus olhos de gente grande espantam-se com o que vêem.
Do lado de lá, duas facetas antagónicas sobressaem. De um lado, o verde campo, o cantar dos galos, o alvoroço das galinhas e o amanho da terra. Mãos experientes tratam o que anteriormente foi posto nas suas entranhas para que mais tarde alimente quem plantou; do outro, a majestade da serra e a grandeza do silêncio que dela faz parte.
Existe no seu olhar, qualquer coisa de aventureira e de empreendedora. Quando for grande quer ter um bocado de terra para que nela, tudo um pouco possa plantar, a fim de poder fazer a colheita do que precisar.
Nos fins de tarde em que o Sol teima em ficar vermelho e consegue divisar através das folhas dos salgueiros, que fazem sombra sobre a água, olha para quem do lado oposto, está.
O verde das árvores e do prado deixam-na encantada. A casa de colmo com telha-vã, que no meio do verde se situa, recolhe o que apanhado foi para ao mesmo tempo fazer sombra a quem debaixo se recolhe.
Tem em cima da tropeça, uma grande alguidar de barro vidrado com a cor do meio em que está colocado. Dentro do mesmo, encontra-se várias peças de roupa, alguma de quem no dia anterior cavou o sustento. De corpo encurvado, com as pernas abertas para equilibrar o corpo, ensaboa-a para depois a esfregar, passando depois à torcedela.
Bem longe, ou bem perto, não sabe enxergar; os cornos da lua vão dando sinais que algo caminha para o fim. São horas de acabar o que faz falta e caminhar para a margem onde se situa a casa que chama de habitação. Bem perto desta, dois paus, que foram ramos de algum salgueiro, seguram um comprido e velho arame, carcomido do orvalho, que serve de estendal.
Peças de roupa são estendidas. Daqui a pouco e logo terminado, os tecidos molhados, que pelas cores contrastadas com o verde e o sol, parecem giestas em flor. Regressa então – sempre de cara amochada para a terra, que de tão pisada estar, já conhece os passos de quem a calcorreia – para a casa do fundo.
Pouco falta para que da amostra daquilo que deveria ser uma cantimplora, algum fumo começa a elevar-se para se juntar ao cinzento perdido que no ar ameaça chegar. Deve ser a hora da janta, pensa Patrícia, para se levantar e seguir para o adro da igreja.
Só daqui consegue ver tudo que a sua vista alcança. À sua direita, depois de bater com uma mão no pelourinho, encosta as pernas ao pequeno muro que a separa da baixeza, mesmo tendo a curta distância, do seu lado direito, a velha palmeira; um pouco mais longe uma chaminé, feita em tijolo burro de uma qualquer fabriqueta, que no passado deve ter destilado muito fruto de figueira.
Bem longe, vê que a bola do Céu vai desaparecendo aos poucos, mas com uma cor esquisita, dando-lhe a impressão que algo vai acontecer ou como que: o mundo ou a terra, já não seja o que foi. Não corre uma brisa nem sombra de nuvens no azul, que muito distante se quer estrelar. Ainda está quente a pedra do chão.
Por causa do calor da tarde anterior, até a erva está seca pela falta do orvalho da madrugada. De repente o Vento sopra, fazendo com que o que devia ser uma brisa, comece a se transformar num vento forte e assustador.
Vindo por detrás da serra, um negrão se aproxima, a passarada está num alvoroço. Até parece que as folhas se desapegam dos ramos que são a sua segurança nos dias quentes.
Ao voltar-se para a cruz que um pouco à sua frente está, repara que mudou de cor. Será impressão sua? Não é! O que vê é o início do aproximar da época fria, que se aproxima antes do tempo, que em tempo foi determinado.
Desce a correr o que subiu vagarosamente para de despedir da margem do rio que a susteve enquanto via coisas do lado de lá.
Chegada a casa, caiem os primeiros pingos grossos de uma chuva que durante meses molhará a calçada das Lapas como fará subir o nível do rio. Também a altura em que tudo que esteja cercado por orlas de árvores, ficará triste ou abandonado; tempo em que a solidão torna tudo cinzento para quem não tem onde ir.
Patrícia, sente as lágrimas que lhe correm pela face como as gotas que caiem em cima das telhas da sua casa, vindas das nuvens que há pouco vieram do lado escondido da serra. Chora, não pelo presente ou pelo futuro mas pelo passado; do tempo em que via a Ribeira da Peneda, vinda algures das entranhas da penhasco com o mesmo nome ou da Soajo. Também se lembra das quedas de água, das fragas graníticas, dos prados onde via garranos selvagens a pastar e o encantamento de alguns bosques.
Como Patrícia tem saudades de ver os campos de espigueiro? De trepar para se maravilhar das almas genuínas nas pontes de pedra; de ouvir histórias de homens que «o foral determinava que os fidalgos ali não pudessem demorar mais que o tempo de um pão saído do forno esfriar».
Nunca se esqueceu das palavras conselheiras do tio Álvaro «Um dia chegará a hora de partires. Antes dessa madrugada, quando andares pelas ruas, quando te cruzares com as pessoas e olhares para as suas casas, que a tua memória tudo guarde porque nunca mais tornarás a pisar as tuas raízes». Assim se cumpriu.
Não está arrependida de viver onde vive. As Lapas e o lado-de-lá do rio que nasce para os lados da Zibreira fazem com que sonhe com o dia em que terá um bocado de terra. Nessa altura então plantará aquilo que gosta de ver nos dias que se senta nas bordas do rio que por pouco não banha o seu poiso. Afinal é uma mulher do norte, de rija têmpera como o granito.
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