quarta-feira, 5 de novembro de 2008

As saudades de Mariana



Por: António Centeio

A vida prega-nos partidas. A nossa mente faz-nos lembrar coisas passadas e decorridas ao longo do nosso percurso da vida.
Quando era menino aprendi que apenas queria como amigo o amor. Assim fui e vou vivendo mesmo sabendo que tudo não passa de uma ilusão. Previ sempre as necessidades antes de se manifestarem. Nasci assim que hei-de fazer?
Olho para as pessoas e sei logo quem são e o que querem. Certas vezes até pensam que vivi com elas numa qualquer vida passada. Começamos a falar e rapidamente concluo que a nossa linguagem é igual para pouco tempo depois saber que somos do mesmo mundo porque as nossas palavras e pensamentos são comuns. Tenho a capacidade de ficar logo amigo de quem ainda mal me conhece. Mas as partidas da vida são uma armadilha. Cria-se entre nós um elo que jamais nos separará.
Foi num casual encontro que nos conhecemos. Olhamos um para o outro e os nossos olhos falaram por nós. Quando lhe falei pela primeira vez disse-me que se chamava Mariana para logo de seguida acrescentar que a «origem do nome» provinha de «uma palavra hebraica» com junção de duas palavras. Acreditei nela. Curioso como sou, fui descobrir que correspondia à verdade. Não bem como se prenuncia e escreve mas parecido porque o hebraico é algo difícil de interpretar. Adiantou-me também que o nome era «uma homenagem à sua avó, nascida a criada no meio do Atlântico». Uma avó que lhe deixou «lembranças de uma boa companheira e amiga de infância».
Mariana fala pelos cotovelos. Ainda hoje julga que todas as pessoas conspiram contra ela. Quando casada, todos eram seus amigos mas com dois casamentos falhados no seu curriculum os casais não querem a sua companhia. Dizem – as mulheres – que «é meio caminho para roubar a pessoa amada».
A sua formação superior fez com que bem cedo soubesse dar valor o que é criar um filho e dar-lhe um curso sem a presença do pai ou do seu substituto. Poeta que é, sabe dar valor às palavras e o que delas se pode obter. Sente nestas a subtileza mas que nem todas as pessoas compreendem.
Quis o destino separar-nos por alguns anos. Quando nos reencontramos foi como o nascer de um filho. Fizemos logo uma promessa junto da estátua do “Navegador”. Entre nós dois «nada poderá haver fisicamente, mas apenas confidências, segredos, amizade e uma grande cumplicidade. Nada mais do que isto» para depois logo acrescentarmos «nunca se deve ceder às nossas fraquezas ou outros desejos».
Mariana é uma mulher linda e sensual. A sua vincada personalidade seduz qualquer mortal. A sua maneira de olhar para quem olha para os seus olhos verdes é a sua arma de serpentear os pensamentos incertos na mente dos homens. Seus cabelos compridos e sedosos são a sua maior riqueza.
O Céu estava carregado de nuvens escuras. O horizonte fazia com que as nossas almas ficassem melancólicas. Sentíamos uma força interior que remexia nos nossos corpos. Falamos do nosso passado e da filha que teve, fruto de alguém que fez parte da sua vida mas que não foi nem é a sua vida. «O melhor que fazemos é não voltar a cruzar os olhos com o dos nossos amores perdidos. Especialmente com aqueles que nunca o foram e não passaram de um belo sonho que um dia acalentámos no fundo do nosso ser». As lágrimas correram-lhe pela face. «Se hoje fosse viva seria uma linda mulher!». Senti nas suas palavras a dor que sente quando se lembra da sua “filhota”. Sei a mágoa que tem nas suas profundezas pela perda. Era o elo que a ligava à vida.
Depois do testemunho prestado junto do símbolo a nossa conversa parecia interminável para ao mesmo tempo sentirmos uma atracção sem explicação. De tal maneira que passadas algumas horas, os nossos corpos envolveram-se na transparência da areia enrolando-se um no noutro para acabarmos descendo até à água do Oceano encobertos pela força do amor com o testemunho do nascer do Sol.
Quando o Sol nasce e estamos junto do mar tudo é infinito. Só nesta altura compreendemos os mistérios da grandeza que a natureza nos esconde. São estes encontros sublimes na junção de dois corpos que fazem com que a vida tenha outro significado.
Claro que aquilo que prometemos um ao outro acabou por ser impossível mas o contrário faz com que a vida não faça sentido. O mundo é composto de fragmentos místicos devendo nós apanhá-los para que possamos compreender o seu significado. «Houve em tempos um fazedor de marionetas. A sua casa era um museu de obras-primas. Todas feitas com paixão e amor. Os anos passaram e a sua casa estava cheia destes pequenos bonecos.
Só, certo dia adoeceu. Não tinha ninguém que o ajudasse. Quando a escuridão entrou nas suas paredes cheias de recordações foram as marionetas que o encaminharam para a longa viagem porque só ele lhes soube dar o tal amor e vida. Só ele compreendia e sabia que as árvores também têm vida. Eram a Alma do mundo» dizia-me muitas vezes Mariana para que pudesse compreender a razão das coisas e os seus sentidos. «O mundo é composto de fragmentos místicos devendo nós apanharmos estes para que possamos compreender os seus significados».
No bater das ondas e na espuma vinda das suas profundezas falávamos muito sobre o mistério da vida e da ingratidão das pessoas. Mariana com a formação que tinha e um quoficiente de inteligência acima da média sentia-se ressentida com certas atitudes do ser humano. Fazia com que eu compreendesse o âmago das raízes para melhor puder compreender a razão das coisas. Só eu a sabia compreender. Estava-me grata por isso.
Um dia viria a saber que a gratidão também tem o seu preço. Os seus problemas passaram a fazer parte da minha vida recebendo em troca os meus. A amizade aprofundou-se ao ponto de já não haver segredos entre ambos.
Nas longas caminhadas que fazíamos pela grande avenida deleitando a essência do mar ou nos dias quentes em que à noite passeávamos pelo grande jardim frontal ao “Centro Cultural” com a companhia de “Alex” o poder do mar e o brilho da bola do Céu aconchegava o nosso interior.
Outras vezes escondíamo-nos do mundo juntinhos ao mar. Logo que as estrela apareciam ficávamos ouvindo o rebentar das ondas para ver ao mesmo tempo o mar roubar a areia que horas antes tinha sido calcorreada por estranhos. Enrolada a mim dizia-me junto do ouvido: «quando uma coisa nos magôa em pequeninos ficamos muito sensíveis às atitudes e criticas dos outros. Sofro muito! Não me desampares porque só tu me sabes compreender». Sentia a sua fragilidade. Era como fosse um bibelô. Encolhia-se nos meus braços para que protegesse.
Quantas noites não adormecemos na praia para acordarmos quando o Sol começava a radiar tudo ao nosso redor com o cantar das gaivotas que voavam para onde estava o seu alimento. Erguíamos os nossos corpos para de seguida só pararmos numa padaria junto do mercado onde a frescura do pão satisfazia a nossa saciedade.
Hoje temos medo que tudo acabe de repente porque o relógio pode parar. Sentimos mais do que nunca que caminhamos juntos para a meta final. Temos a certeza que os nossos corpos jamais terão a força de nossa juventude levando com que saibamos aproveitar todos os momentos que a vida nos oferece para quando os nossos corpos se separarem, as nossas almas se possam enlaçar como as rosas que lhe ofereço quando sei estar triste e as saudades do passado a atormentam.

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4 comentários:

DanielNostalgiaFM disse...

o seu site é um pouco educativo mas eu já passei por certas cenas e nós ambos temos opiniões diferentes e termos de escrita. eu escrevo livros de violência e tenho um blog. se quiser entrar no meu blog, vá a www.xtremedestructionrevolution.blogspot.com espero que se divirta e que se ria á grande porque se temos competição, o senhor é melhor que eu.

Conceição Bernardino disse...

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
(Fernando Pessoa)
Venho desejar um Feliz Ano Novo e dizer que no ano de 2009 estarei mais presente no teu Blog.
Conceição Bernardino

Carla Ribeiro disse...

Passei, li e gostei. As palavras fluem como magia e as imagens que cria reflectem o mundo tal como ele é, mas, ainda assim, de uma forma mais completa, purificada. Voltarei!

Abraço...
Carla Ribeiro

Anónimo disse...

Parabéns pelo blogue e restante trabalho.

Deixo aqui o acesso ao meu espaço, para o caso de ser adepto do conto

www.sapiensmaissapiens.blogspot.com

Cumprimentos