terça-feira, 10 de junho de 2008

Na esquina do ansião


Por: António Centeio


A estrada nacional, não fosse ser tão longa, quase acabava numa subida. Próximo do seu fim, tem um entroncamento à direita que nos leva a uma pequena ruela rodeada por ambos os lados de velhas casas que bem demonstram que o tempo parou nas redondezas como os seus moradores são pessoas simples e que em tempos viveram dos rendimentos dos produtos dos seus bocados de terra alimentando quem dependia do que plantava. Poucos, só lá dormiam porque tinham profissões que os levavam para outras redondezas. Quase todos, no presente, vivem do pouco que recebem das suas exíguas reformas e do que ainda conseguem produzir na terra que os viu nascer. Tudo junto não é suficiente mas ajuda um pouco mais quem quase nada tem.
Na esquina da ruela, a casa está abaixo do nível do piso da rua. Para lá entrar temos que descer por um pequeno terreno rebaixado, protegido por um baixo muro que suporta o peso da artéria para ao mesmo tempo servir de quintal. A diferença de um verdadeiro quintal é que fica voltado para a rua onde todas as pessoas podem ver quem nele leva os dias sentado numa pequena cadeira que parece ter tantos anos como anos tem quem se senta nela.
Uma velha casa construída no início do século, quase a despedir-se da disposição em que está, não por ser velha ou por ter falta de conservação, mas pelo peso da idade que tem e da terra que a mantém de pé estar a desfazer-se em pó por causa do Vento que nos longos Invernos teima em reduzi-la. Espera, quem nela vive, que não fique a casa em grãos de areia, antes que ele ao pó regresse.
Já perdeu a conta aos dias de tanto se sentar no velho assento. Apenas o assusta e incomoda os dias em que a chuva e a geada teimam em fazer-lhe companhia. Nestes dias recolhe-se por detrás da porta com os olhos voltados para o fiel companheiro. Porque o tronco do seu corpo pesa nos seus membros, puxa a raquítica mesa de pinho, carunchosa pelo passar dos anos, para junto da porta e em cima da sua borda se acomodar. Como companhia, a sua velha bengala que ruidosamente marca o compasso do tempo.
Quem dela faz pêndulo, nem sabe o espaço que medeia entre as batidas, mas certinhas como um relógio. Serve-lhe também para quando quer indicar o caminho a quem lhe pergunta o que procura. Está habituado a ver parar automóveis na sua frente, para quem vai dentro, sentando no banco do lado direito lhe perguntar «onde é a casa da senhora que todos procuram e a todos ajuda?». Coisa que o dono da velha casa já está habituado mas que responde com boa vontade.
Sempre de cabeça baixa, apoiada na parte superior da bengala, que mais parece a última curva da subida de tão fechada ser ou de mirrada começar a ficar pelo uso e caricias que leva de quem nela pousa, olha profundamente para a alma de quem lhe pergunta aquilo que não sabe. Segundos absorvidos, como o tempo de uma eternidade, para de seguida dizer: «é aquela casa que está encostada à oliveira». Depois vê seguir quem já sabe o caminho para seguidamente, olhar tempos infinitos para o velho carvalho que na sua frente está – o seu fiel companheiro. Um carvalho carcomido pela doença e pela idade mas mais velho de quem está sentado. Os dois conhecem-se há muitas dezenas de anos
- mesmo que a velha árvore tenha assistido ao nascimento de quem para ela olha. Ambos, não se recordam, nem sabem, quem nasceu primeiro. Sempre se conhecerem e sempre se falaram. Levam horas a olhar um para o outro para se lembrarem das recordações da vida passada e da felicidade que esta lhes deu. Partilham o barulho do silêncio para saberem que as décadas passadas encaminha-os para as «velhas árvores que chegam ao fim com o cair das folhas nos finais do nono mês».
São nestes momentos de vazio que tristemente pensa nas pessoas que lhe pedem a luz do caminho que procuram para dizer a si próprio «são problemas que as pessoas tem mas que não sabem resolver como não encontram a solução que os leve a resolver aquilo que os apoquenta». Talvez, porque não olham para trás para depois saberem como seguir em frente. A vida é dura para alguns e penosa para outros. Desgalha-se como o Vento. A experiência da vida e o passar dos anos ensinaram-lhe que as pessoas procuram ajuda de quem sabe viver à custa dos outros ou aproveita-se das debilidades que a vida teima em dar a quem não as espera ou não as quer. No fundo, também sabe, que todos são iguais, como sabe que o que dá esperança às pessoas é, a sua enorme fé. Subam-se estradas ou desçam-se vales «quem busca que encontre o que procura» mesmo que passe entre um carvalho e um ancião que já sabe o que lhe vão perguntar, quando ele gostaria era que: lhe fizessem um pouco de companhia e dele ouvissem o que o tempo ensinou: «Os moinhos já não existem mas o Vento continua a ser o mesmo».
Disse-me, porque leu num livro chamado «Judeu Errante» que todos nós «conhecemos o nosso passado mas não o podemos modificar em nada, mas o futuro espera-nos na esquina». Também me disse, que as pessoas muitas vezes vivem dos sonhos que elas próprias criam mas que depois não são capazes de os alimentar porque são muitos os artifícios que os deuses usam para falar aos homens; para lhes comunicar os seus desígnios – só que estes muitas vezes não os sabem escutar.
Despediu-se de mim, ou despedi-me eu dele, já não me lembro, para me dizer que espera ansiosamente pela sombra escura, de maneira que o «leve de uma vez por todas» porque: depois de lhe perguntarem pelo caminho que procuram a «solidão apoquenta-o e as lembranças do que deveria ter feito mas que não fez, tiram-lhe o sono».

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