domingo, 1 de junho de 2008

Manuelito teve a infelicidade de falecer num país distante


Por: António Centeio


A diversidade da vida nem sempre é justa para os seres humanos já que recusa algumas vezes amparar os mais desfavorecidos. Não bastasse, ainda costuma fechar as portas quando deveriam estar abertas para quem a vida nem sempre sorri ou não avisa com antecedência das partidas que vai pregar.
Foi assim que aconteceu com Manuelito. Quando criança guardava tudo e mais alguma coisa para que quando fosse grande se chamasse “guardador de sonhos”. Dizia a quem o quisesse ouvir de que não morreria enquanto vivessem os seus sonhos. Talvez aqui a razão da sua inquietação e ser fugídio como a areia do Vento. Nunca parava quieto e queria ir sempre mais longe. Até o professor o admirava. Não por ser um aluno brilhante mas pela simples razão de saber falar o difícil de forma fácil.
Aprendeu bem cedo que a vida retoma o seu curso mas que, se soubermos, podemos alterá-lo. Se para o bem ou mal eis a dúvida de quem o tenta fazer – muitas vezes deveríamos «deixar a água seguir o seu percurso».
Era quase um homem quando descobriu que «todas as estradas que encontramos na nossa vida são caminhos. Nenhum é o nosso destino». Foi este destino que lhe deu a infelicidade de falecer num país distante. O destino é meada de muitos nós. Razão tinha o poeta «Quando chegamos à encruzilhada o que fizermos irá afectar toda a nossa vida».
Partiu bem cedo para a ilha longínqua em busca de melhores condições porque não as encontrava nas suas bandas. Queria dar aos filhos aquilo que nunca teve. Pouco tempo teve para amealhar um melhor sustento e conforto de quem por cá deixou.
Ao atravessar uma avenida, enquanto metia a carteira no bolso de traz, depois de uma olhadela na fotografia do filho mais novo, num ápice descuidado, um carro ceifou-lhe a vida. Para que o seu corpo pudesse regressar à terra que o viu nascer, alguns milhares de euros foram precisos, caso contrário seria cremado para lá do “sol de Espanha”.
Para quem fez da vida um luta permanente e que para ultrapassar os obstáculos era capaz de os contornar, nunca conseguiu prever – enquanto vivo, as mudanças e as partidas que a vida prega a quem menos espera.
Foi num dia frio que o corpo de Manuelito regressou para ser sepultado na cidade.
No mesmo dia milhares de pessoas souberam que a transladação do corpo daquele infeliz só foi possível regressar, porque a dor profunda e a teimosia dos seus familiares, com a contribuição anónima de um povo sensível que está sempre pronto a apoiar quem mais precisa nos momentos de infelicidade, conseguiram angariar meios e obter a força necessária para inverter aquilo que Manuelito nunca imaginou um dia poder acontecer.
A frivolidade burocrática e o abandono que os mais desprotegidos encontram por parte de quem a gere acaba por nos envolver a todos e a revoltar-nos contra o sistema que mais não é do que: frio, sem qualquer sentimento, para lacerar a nossa sensibilidade ao ponto de em determinados momentos se transformar em raiva porque quem dirige não sente a ferida bem aberta de quem sofre, desculpando-se na distância ou normas, das quais, todos sabemos que: para uns funciona de uma maneira muito especial, para outros, de maneira diferente.
Por mais que nos queiram apregoar o bem-estar da sociedade, nem sempre as coisas são como parecem, porque na hora da verdade, sabemos destrinçar a verdade da mentira.

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