quarta-feira, 13 de maio de 2009

O RAPTO NO CENTRO COMERCIAL

Por: António Centeio

Nasceu e cresceu numa avenida cheia de árvores que faziam grandes sombras e davam aconchego aos passarinhos no Verão. Tão grande era a avenida que praticamente atravessava toda a cidade.
No centro da avenida, estava implantado o maior centro comercial da zona. Quase todas as grandes marcas estavam ali representadas levando por sua vez a um corrupio constante de pessoas que adoravam visitar e frequentar as centenas de lojas existentes.
Morava num andar, cujo prédio fazia frente para o centro comercial. Da janela do seu quarto podia ver a todo o momento a grande azafama de quem entrava e saía do mais moderno centro comercial como a confusão do trânsito que tanto aumentava como diminuía; bastava ser fim-de-semana ou um daqueles meses que as pessoas ganham o vencimento em duplicado para logo os carros fazerem longas filas, quer entrando quer saindo do enorme parque de estacionamento subterrâneo que o edifício tinha.
Adorava levar horas na janela vendo as pessoas. Algumas carregadas de embrulhos enfeitados nas mãos, outras com embrulinhos que davam logo a perceber, para quem via, que eram prendas especiais. Às vezes até punha-se a imaginar que: pelo vestir, pelo andar ou tipo de embrulho, o que iria dentro deles como das possibilidades de cada um e as suas profissões.
Sua mãe por um lado aborrecia-se com o tempo perdido vendo a filha a ver a vida dos outros, mas por outro lado, ficava satisfeita e descansada por não ir para a rua brincar com as crianças vizinhas, como algumas faziam. A sua preocupação era quando ia para o liceu situado ao fundo da avenida, porque a filha tinha que atravessar algumas ruas que embocavam na longa artéria.
Uma filha estudiosa, que quando cresceu, ao contrário de outras, que só queriam: discotecas e andar a passear com rapazes de outras redondezas, como dizia para as vizinhas, era uma moça exemplar. A sua pombinha, como lhe chamava, só frequentava o enorme complexo comercial, que mais poderia querer dela?
Todos os seus momentos livres eram ali passados. Sabia mais do que ninguém, quando mudavam as empregadas das lojas, quantas empregadas tinha cada loja, sabia quando começava e acabava os saldos, sabia quando mudavam as montras e quando eram apresentadas as novas colecções de roupas ou algum novo lançamento de perfumes – a loja que mais adorava era a que tinha uma montra ostentando as melhores jóias do mundo.
Foi num destes momentos de lazer que um dia soube que a escritora Sveva Casati Modignani era um dos nomes mais populares da ficção italiana, cujas livros se tornavam todos em bestselleres, como foi num destes momentos em que assistia ao lançamento de um livro, ouvir do seu vizinho de cadeira, esclarecimentos sobre um poeta chamado Pablo Neruda. Tanto gostou de o ouvir que a alma do mundo os juntou para ficar traçado todo o futuro naquele momento. Coisas do jogo do destino.
Pouco mais velho do que ela, ficou a saber na conversa consequente que era director de uma grande marca de automóveis em Portugal.
Uma amizade profunda foi criada como os encontros se tornaram contínuos, ao ponto de, passado pouco tempo, o mesmo ter que atravessar a avenida para ir conhecer os pais dela, que ao saberem quem era, logo ficaram todos babados, para quem iria futuramente fazer parte da família.
Do casamento, nasceu uma linda menina a que chamaram de Cidália, porque alguém lhes disse que «Cidália, era nome de fantasia». Afinal, qualquer fantasia tem valor, seja falsa ou verdadeira. O que importa é o amor que enche a vida inteira.
Da casa em que sempre viveu, de tão espaçosa ser, seus pais reconstruíram o seu interior, conseguindo fazer duas casas independentes.
Os hábitos adquiridos, o tempo livre que tinha, a possibilidade de poder comprar as roupas que sempre gostou, já que seu marido tinha condições económicas para tal, faziam-na uma visitante constante do espaço. Passava tardes inteiras com a sua pimpolha no carrinho de bebé, pouco se preocupando com quem se cruzava ou lhe seguia o percurso, excepto quando via alguém conhecido, que com a educação que tinha recebido, cumprimentava sempre.
Seu marido era um consumidor ávido de livros e não perdia qualquer lançamento de obras famosas, para além de nos fins-de-semana ser também um frequentador do emblemático espaço comercial que de tudo tinha para além do conforto e qualidade de pessoas que utilizavam o Centro Comercial.
Já conheciam todos os cantos à casa e sabiam a localização de cada loja mas não sabiam era que no dia que iam todos juntos verem o escritor que estava presente para o lançamento de uma história de paixão e intriga, os seus passos estavam a ser seguidos por alguém.
Habituada a ter sempre o que queria e gostava, quando ia a caminho do evento, viu numa montra um casaco para a estação fria que a encantou. Convidou-o para ir com ela só um minutinho ver o mesmo e saber o preço para quando regressassem, comprasse o mesmo, ou receber o dito como mais uma prenda de quem tudo lhe dava.
Como era só um minutinho, deixou o carrinho à porta do estabelecimento e quem nele dormia como um anjo para apreciarem o que tanto lhe tinha chamado a atenção.
Sem saberem explicar como, o carrinho e a sua querida bebé, tinha desaparecido num ápice que nem o Vento conseguia ser tão rápido.
Gritos profundos e loucos, lágrimas de raiva e culpa, alvoroços de o mundo ter acabado sem avisar, palavras sem nexo e uma confusão maior que a babilónia, alertaram tudo e todos, que numa rapidez nunca vista, centenas de pessoas se puseram a correr por tudo que era zona comercial e não só.
Valeu-lhes a segurança interna e a tecnologia usada que filma tudo e todos, para em centésimas de segundo os écrans algures escondidos mostrarem que alguém no parque subterrâneo tentava meter à força no interior de um automóvel algo de muito estranho. Bloqueada a saída, a mãe que não podia ser mãe devolveu a quem era mãe, aquilo que lhe pertencia.
Hoje, grandes espaços comerciais ou confusões, nem vê-los, porque, um dia alguém desejou, cobiçou e tentou roubar aquilo que mais querido há neste mundo: uma filha.
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