Como princesa que é e cigana que se orgulha de ser contou-me que na «fé dos ciganos ainda continua a existir a lenda das lendas: «no passado tinham um rei, que guiava sabiamente o povo numa cidade maravilhosa da Índia chamada Sind. Ali o povo era muito feliz, até que hordas de muçulmanos expulsaram os ciganos, destruindo a sua cidade. Desde então foram obrigados a vaguear de uma nação para outra».
Gosta de caminhar sob as estrelas porque «se pode ler nelas o futuro e as estrelas possuem o filtro do amor para contarem coisas estranhas sobre os ciganos. Os ciganos sabem explicar as coisas nas quais crêem de uma forma muito singular».
A mistura de sangue que lhe corre nas veias: árabe, africano, cigano, indiano, europeu, fazem com que seja um «cocktail» completo. Mulher – criança, rebelde de espírito, doce de alma e imprevisível como uma animal selvagem..., assim é Lassa. Enigmática, um tanto misteriosa e até com uma certa dose de loucazinha, não deixa de ser gostosa.
Esta cigana adorava que o mundo fosse um navio para gostar de estar em cima do mastro para desfrutar de toda a visão do mar, da terra e do céu. Apegada demais à natureza gosta de sentir os seus pés pisarem terra firme, gosta de sentir as ondas batendo no seu corpo, adora respirar o ar puro das planícies, montanhas e vales, adora ainda mais estar longe da cidade e sentir de corpo e alma toda a beleza única e maravilhosa do campo e do mato.
Lassa, princesa cigana de Panjane – como lhe chamavam – nasceu próximo das longas matas onde a felicidade apertava os corações e onde diziam ter passado reis e rainhas. Uma terra que por muitos anos, no tempo dos descobridores europeus e dos primeiros comerciantes árabes, foi conhecida como a “Terra das Almas Perdidas” pelo zumbido arrepiante que a brisa vinda do rio faz, em sintonia com a poeira vermelha que se levantava.
A segunda de três irmãs, estudou sempre em colégios de freiras e sempre se lembra de andar pelas ruas e campos à vontade, a maior parte das vezes descalça, que era como gostava de andar, porque a harmonia singular que tudo tem com a natureza com o espírito, com a alma, com o próprio céu tão aberto e esplêndido lhe deu a sensação de que tudo é uma sintonia que emana das águas mornas e calmas do rio e da brisa leve e árida que sopra.
Panjane é uma cidade linda e calma onde todos se conhecem e onde com as irmãs, saía com uma espingarda de pressão de ar para andarem horas no «mato» à caça de pássaros que depois traziam para casa, não isentando que muitas vezes seus pais não tivessem que sair aflitos procurando-as com medo que lhes tivesse acontecido alguma coisa.
Numa vasta planície, próxima de um rio onde vivem juntos crocodilos e hipopótamos, foi o seu berço e o lugar onde nasceu para no quintal da sua casa passar os seus primeiros anos de infância.
É um lugar único onde erguem-se enormes serras e entre elas se estende um vale estreito onde o riozinho sereno corre, sempre manso. E por detrás destas serras, o sol nasce todos os dias para, mais tarde, dar a lugar a uma lua sempre tão vistosa e brilhante. Sobre o vale, meio solitário, os musgos verdes e as dunas de areia vermelha parecem sempre ter estado ali, tão forte é o seu domínio sobre o cenário completo
Sua mãe, mulher única e maravilhosa, ninguém é igual a ela: doce, forte, corajosa, decidida, com um coração enorme e uma alma que se poderia igualar a de uma santa; seu pai: foi um dos homens mais admiráveis que conheceu. Rebelde, aventureiro, frontal e bastante liberal mas ao mesmo tempo amoroso, justo e muito carinhoso.
Tudo o que hoje é deve ao que aprendeu com este homem que mais do que um pai foi um amigo, companheiro e professor da vida, que lhe deixou bem vincada descendência de cigana e europeia.
Da vida faz o lema “mais vale a lágrima da derrota do que vergonha de não ter lutado”. É uma mulher corajosa, porque só a água quente que salpica África lhe dá fulgor para continuar a lutar pelo que acredita para que todos juntos possam viver essa sintonia viciosa da junção da vida com a natureza.
Lassa é uma mulher que nasceu e cresceu com a liberdade dentro dela e talvez por isso seja como um passarinho sem gaiola que voa a qualquer momento.
Quer morrer na sua África que a viu nascer mesmo sabendo que a vida pode acabar de um momento para o outro como a tempestade que não avisa quando vem, mas não quer morrer enquanto viverem os seus sonhos.