sábado, 16 de agosto de 2008

Fabiana encontrou o filho que desejava


Por: António Centeio

Fabiana sempre foi uma mulher determinada. Nunca deixou de acreditar que não morreria enquanto os seus sonhos vivessem como sempre soube que um dia quando estivesse próxima de ser mãe estaria preparada na hora do parto para receber o maior privilégio que a vida dá às mulheres mesmo que nesse sublime momento a vida e a morte estejam sempre juntas.
Nunca teve medo de enfrentar os desafios que a vida coloca na frente das pessoas sejam ou não uma prova e um desafio ao ser humano para mostrar se é ou não capaz de contornar os obstáculos.
Fabiana nunca teve medo de nada. Sempre teve uma coragem que até ela própria se admirava. Não tivesse sido criada nos confins do mundo e no cume de uma serra onde o frio seco entra nas entranhas que até quase gela o coração. Às vezes o Vento assustava-a para que não dormisse demais e estivesse sempre desperta.
A dor e a amargura fizeram-lhe sempre companhia, levando-a com que muitas vezes debaixo do banco em que se sentava as suas lágrimas corressem numa direcção que nem ela própria sabia onde terminava. As lágrimas são algo que ninguém pode roubar.
De tanto ir à cidade onde a aragem era sempre seca e fria ficou a saber que entre Norte e Sul havia em determinada altura das estações que a terra una que faz parte do seu mundo está cheia de contrastes. Prometeu a si mesma, logo que possível, mais dia menos dia desceria até encontrar um local onde pudesse completar os ciclos da vida.
Parou nas proximidades do Tejo já que as recomendações indicavam ser aqui o seu “porto seguro” como sentiu sinais de encontrar encontraria alguém que a ampararia enquanto não conhecesse a terra que iria pisar tantas vezes no futuro.
Mal entrou na localidade viu no alto o Castelo do burgo. Seria a primeira coisa que queria conhecer quando visitasse a cidade. Assim foi.
Quando o percorreu – talvez um sinal do destino – encontrou aquele que viria a ser a sua alma gémea, não sabendo ambos no “momento de encontro” que iriam trabalhar no mesmo local como ser colegas de profissão – ironias do desconhecido.
Da grande amizade nasceu um grande amor que durante alguns anos fez com que se conhecessem profundamente para depois de realizado o acto solene desejassem o maior sonho de Fabiana: ser MÃE.
Começou aqui um dos ciclos mais difíceis da sua vida. Por mais tentativas que fizesse não conseguia engravidar como nunca conseguiu descobrir as causas de tal infortúnio. «Esterilidade» alguém lhe disse. Desistiu, como também seu marido, que um dia lhe prometeu meia dúzia de filhos para todos juntos à mesa galhofarem e serem “todo um só”. A família estava acima de tudo.
No interior de sua casa, algures num dos muitos caminhos que levam outros caminhos às “Lapas” tudo era dor e amargura. Nas noites frias mas húmidas, sentados os dois depois de um dia de labuta o silêncio imperava. Até as suas gargantas se tornavam secas de tão pouco falarem para apenas ouvirem o uivar do Vento forte das noites geladas.
Levavam horas e horas os dois sentados em dois singelos bancos de madeira mexendo com uma atenaza as brasas da sua lareira que iluminavam a chaminé. Apenas falavam em pensamento ouvindo os estalidos da madeira que faiscava ao despregar-se as lascas ou abraçavam-se em silêncio para quando os corações chorassem as lágrimas caíssem nos seus ombros.
Tantas e tantas vezes que o gélido tempo não os deixava sair junto das chamas para que as suas refeições fossem apenas pobres fatias de pão banhadas com um fininho fio de azeite que uma pobre alma sua vizinha, mais apoquentada pela dor que a necessidade dos dois, lhes oferecia quando ia ao “lagar de azeite”. Para além do azeite que dava sussurrava aos ouvidos de quem precisava pelo que aprendeu com o passar dos anos «não
devemos morrer sem vivermos os nossos sonhos».
Não que vivessem miseravelmente mas aquela dor de não poder amar algo vindo das suas entranhas sufocava-a interiormente. A comida enrolava-se e fazia um nó na garganta. Só o azeite fazia escorregar o pão amargo de tão dorido ser como a dor que tinha dentro dela.
Quantas vezes não sentiam a cair nos seus dobrados joelhos, lágrimas dolorosa por estarem a pensar a mesma coisa sem dizerem um ao outro aquilo em que pensavam? Quantas vezes não olhavam para a longa e alta parede da chaminé pintada de branco com uma barra amarela para verem o berço que lá estava pendurado esperando que alguém no seu interior se deitasse?
Nas noites de luar, às vezes vinham, sem saber como, abeirarem-se da pequenina janela voltada para o pátio olhando para a laranjeira que lá estava. Até parecia que tinha sido plantada de propósito há muitos anos com troncos fortes e arqueados esperando por duas grossas e seguras cordas para servir de baloiço a alguém levezinho como uma arvela.
Por baixo da mesma um pequeno rebaixamento redondo fazia a terra escura com uma maciez que a tornava balofa. Se alguém caísse em cima dela não se magoasse mas talvez se sujasse.
Os dois só davam sinal de vida quando umas agoirentas corujas vindas das catacumbas das “Lapas” sobrevoavam o telhado a caminho do cemitério e num cantar medonho e arrepiante os fazia encolher quando ecoavam sons aziagos. A noite ficava adormecida nas profundezas do silêncio porque tal ave, diziam os mais antigos, simbolizava o mal, a desgraça ou o caminho que ligava à morte.
Bendita a manhã de uma terça-feira em que foi ao mercado semanal. Na sua frente caminhava uma pobre mãe que mais parecia uma galinha com a sua ninhada de pintainhos. Toda desfraldada com uns cabelos que desconheciam o pente, sete pequeninos filhos descalços magros e escanzelados seguiam o seu encalçe para ouvirem continuamente da sua protectora pragas amaldiçoadas mais parecendo que lhe tinham pedido para vir a este mundo.
«Enquanto eu tanto desejo uma criança esta pobre mãe tem-nos demais. Não há justiça neste mundo» pensava Fabiana para logo ouvir de seguida da fria mãe: «não haverá neste mundo ninguém que queira tomar conta de vocês?»
Para quem sempre acreditou que nunca morreria enquanto os seus sonhos vivessem, um sonho dos seus sonhos realizou-se. Foi tudo apenas uma questão de tempo para a adopção.
Hoje, uma das crianças é a razão da felicidade do casal que em tempos até pensava que a humidade que corria pela parede da chaminé por causa do calor do lume eram lágrimas de alguém que lá em cima chorava por ver tanta tristeza.
Visite na Internet o site:
www.gazetadospatudos.com
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados. O leitor não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida autorização do autor.

Sem comentários: