Por: António Centeio
Algumas pessoas dizem que o que sucedeu «foi há mais de cem anos» outras dizem «tudo para mais de cinquenta». Uma coisa sabe-se: aconteceu.
Os tempos eram difíceis como difícil era arranjar trabalho. Era na agricultura que estava a sobrevivência dos mais necessitados e desfavorecidos. Talvez, como nos dias que correm, na altura, os pequenos proprietários que possuíam pequenas áreas de terrenos cultiváveis eram aqueles que precisavam sempre de mão-de-obra barata. Davam trabalho como podiam fazer uma maior selectividade a quem pagar menos mas que trabalhavam mais. Aqueles que não encontravam trabalho no campo tinham que viver da caridade do alheio como da ajuda do Estado, que lhes dava alimentação nas então chamadas «casa de sopa».
Na época do frio e da chuva, os terrenos agrícolas dispensavam a presença do homem, quer porque a poda já estava feita quer por a chuva ter enlameado a terra ou ainda porque as subidas da água do rio Tejo tinha ensopado tudo que era campo.
Nestas alturas, só conseguia ter trabalho os melhores trabalhadores. Eram os enxertadores de videiras os mais procurados para se deslocarem para várias zonas do país, onde a plantação da videira era o sustento de quem as possuía. Zonas que não eram banhadas pelas cheias do Tejo.
Vinham de carroça para as bandas da lezíria ribatejana procurar quem quisesse ir «podar videiras» que começavam a chorar por não terem quem as tratasse. Durante semanas inteiras, estes homens especialistas numa arte difícil separavam-se da mulher e dos filhos em troca de mais alguns rendimentos. Mesmo que poucos fossem, ajudaria com certeza quem deles dependia.
Partiam em grupo nas suas bicicletas, carregadas de mantimentos e alguma roupa. Levavam chouriços, toucinho e carne salgada de porco como ainda grossas postas de bacalhau para que em quanto, estivessem na «maltesaria» não tivessem que gastar o pouco que iam ganhar.
Sujeitavam-se a passar o pior como a alimentarem-se mal. Sentiam na pele o peso da chuva e do frio. De mãos gretadas pelo frio e vento seco, que lhes entrava pelas entranhas, fazendo com que: quanto estavam no meio das videiras, muitas vezes as lágrimas lhes corresse pela cara, de tanto frio suportarem. As suas orelhas ficavam cheias de enormes gretas já que o gelo quase as amputava. Sofriam em silêncio e mordiam os lábios revoltados contra a vida e a miséria que lhes fazia companhia.
Valia-lhes a garrafinha com aguardente que tinham sempre dentro do bolso. Era esta receita que lhes dava força e os aquecia para suportarem aquilo que o tempo teimava em dar a quem menos merecia.
A fama de tais enxertadores era conhecida. Todos os anos vinham de longe contratá-los. Eram os melhores dos melhores. Mas a abundância de uns ou a inveja de outros levam a que aconteçam coisas que mais não são do que «coisas do arco-da-velha». Pobre do homem quando é humilhado por um seu igual e mal da sociedade quando espezinha quem mais precisa.
Foi numa destas alturas que apareceu um «bem-falante» procurando vinte enxertadores para irem podar a vinha de «um importante senhor» ali para os lados de Arruda dos Vinhos. Promessas de uma boa jorna e de um melhor futuro, excepto o meio de transporte. Depois de tudo combinado e prometido verbalmente, como indicado o ponto de encontro, partiram de madrugada num determinado dia. De tanto pedalarem, chegaram ao local combinado por volta do pôr-do-sol. Bem longe do local que lhes iria servir de alojamento por alguns dias, alguém os esperava para lhes indicar o «barracão».
Seguiram o caminho indicado, depois de realmente verem que o «importante senhor» era mesmo «dono de terra a perder de vista». Quando chegaram junto da velha adega, viram que ninguém os esperava. Com o portão encostado, entraram dentro da mesma. Apenas havia dois velhos lagares cheios de palha para gado, mal cheirosa e cheia de bolor de há tanto tempo lá estar; ao fundo, duas enormes pipas de vinho, assentes em dois velhos barrotes que mais pareciam aduelas pelo peso que suportavam e do passar dos anos.
Esperaram quatro dias por ordens que nunca vieram, como nunca ninguém se aproximou deles para dar quaisquer tipo de instruções. O mais astuto e a quem mais respeitavam, disse-lhes que «isto cheira a esturro! Fomos enganados». Esperaram mais outros tantos dias.
Só o Vento frio e seco assoprava por cima das telhas de canudo que os protegia para não sentirem nos seus velhos cobertores a gélida temperatura que durante as noites teimava entrar. O que tinham levado estava a chegar ao fim. Decidiram de comum acordo, regressar ao ponto de partida. Sentiram-se usados e abusados. Não bastava serem uns desgraçados quanto mais agora serem gozados?
Pasmaram-se pelo regresso inesperado, os que não foram, como todos aqueles que tinham ouvido falar, de quem foi na busca de melhores condições. Não bastava o que tinha acontecido quanto mais agora serem «gozados pelos iguais de pobreza». A humilhação maior foi: quando começaram a ouvir vozes que diziam: «Olha, outro que foi para a terra da pisa da lã!». Nunca mais foram os mesmos como nunca mais acreditaram em quem tudo lhes oferecia. Aprenderam que muitas vezes «vale mais pescar o pouco peixe no rio que passa na frente da nossa casa que ir para junto do rio que não se conhece».
Algumas pessoas dizem que o que sucedeu «foi há mais de cem anos» outras dizem «tudo para mais de cinquenta». Uma coisa sabe-se: aconteceu.
Os tempos eram difíceis como difícil era arranjar trabalho. Era na agricultura que estava a sobrevivência dos mais necessitados e desfavorecidos. Talvez, como nos dias que correm, na altura, os pequenos proprietários que possuíam pequenas áreas de terrenos cultiváveis eram aqueles que precisavam sempre de mão-de-obra barata. Davam trabalho como podiam fazer uma maior selectividade a quem pagar menos mas que trabalhavam mais. Aqueles que não encontravam trabalho no campo tinham que viver da caridade do alheio como da ajuda do Estado, que lhes dava alimentação nas então chamadas «casa de sopa».
Na época do frio e da chuva, os terrenos agrícolas dispensavam a presença do homem, quer porque a poda já estava feita quer por a chuva ter enlameado a terra ou ainda porque as subidas da água do rio Tejo tinha ensopado tudo que era campo.
Nestas alturas, só conseguia ter trabalho os melhores trabalhadores. Eram os enxertadores de videiras os mais procurados para se deslocarem para várias zonas do país, onde a plantação da videira era o sustento de quem as possuía. Zonas que não eram banhadas pelas cheias do Tejo.
Vinham de carroça para as bandas da lezíria ribatejana procurar quem quisesse ir «podar videiras» que começavam a chorar por não terem quem as tratasse. Durante semanas inteiras, estes homens especialistas numa arte difícil separavam-se da mulher e dos filhos em troca de mais alguns rendimentos. Mesmo que poucos fossem, ajudaria com certeza quem deles dependia.
Partiam em grupo nas suas bicicletas, carregadas de mantimentos e alguma roupa. Levavam chouriços, toucinho e carne salgada de porco como ainda grossas postas de bacalhau para que em quanto, estivessem na «maltesaria» não tivessem que gastar o pouco que iam ganhar.
Sujeitavam-se a passar o pior como a alimentarem-se mal. Sentiam na pele o peso da chuva e do frio. De mãos gretadas pelo frio e vento seco, que lhes entrava pelas entranhas, fazendo com que: quanto estavam no meio das videiras, muitas vezes as lágrimas lhes corresse pela cara, de tanto frio suportarem. As suas orelhas ficavam cheias de enormes gretas já que o gelo quase as amputava. Sofriam em silêncio e mordiam os lábios revoltados contra a vida e a miséria que lhes fazia companhia.
Valia-lhes a garrafinha com aguardente que tinham sempre dentro do bolso. Era esta receita que lhes dava força e os aquecia para suportarem aquilo que o tempo teimava em dar a quem menos merecia.
A fama de tais enxertadores era conhecida. Todos os anos vinham de longe contratá-los. Eram os melhores dos melhores. Mas a abundância de uns ou a inveja de outros levam a que aconteçam coisas que mais não são do que «coisas do arco-da-velha». Pobre do homem quando é humilhado por um seu igual e mal da sociedade quando espezinha quem mais precisa.
Foi numa destas alturas que apareceu um «bem-falante» procurando vinte enxertadores para irem podar a vinha de «um importante senhor» ali para os lados de Arruda dos Vinhos. Promessas de uma boa jorna e de um melhor futuro, excepto o meio de transporte. Depois de tudo combinado e prometido verbalmente, como indicado o ponto de encontro, partiram de madrugada num determinado dia. De tanto pedalarem, chegaram ao local combinado por volta do pôr-do-sol. Bem longe do local que lhes iria servir de alojamento por alguns dias, alguém os esperava para lhes indicar o «barracão».
Seguiram o caminho indicado, depois de realmente verem que o «importante senhor» era mesmo «dono de terra a perder de vista». Quando chegaram junto da velha adega, viram que ninguém os esperava. Com o portão encostado, entraram dentro da mesma. Apenas havia dois velhos lagares cheios de palha para gado, mal cheirosa e cheia de bolor de há tanto tempo lá estar; ao fundo, duas enormes pipas de vinho, assentes em dois velhos barrotes que mais pareciam aduelas pelo peso que suportavam e do passar dos anos.
Esperaram quatro dias por ordens que nunca vieram, como nunca ninguém se aproximou deles para dar quaisquer tipo de instruções. O mais astuto e a quem mais respeitavam, disse-lhes que «isto cheira a esturro! Fomos enganados». Esperaram mais outros tantos dias.
Só o Vento frio e seco assoprava por cima das telhas de canudo que os protegia para não sentirem nos seus velhos cobertores a gélida temperatura que durante as noites teimava entrar. O que tinham levado estava a chegar ao fim. Decidiram de comum acordo, regressar ao ponto de partida. Sentiram-se usados e abusados. Não bastava serem uns desgraçados quanto mais agora serem gozados?
Pasmaram-se pelo regresso inesperado, os que não foram, como todos aqueles que tinham ouvido falar, de quem foi na busca de melhores condições. Não bastava o que tinha acontecido quanto mais agora serem «gozados pelos iguais de pobreza». A humilhação maior foi: quando começaram a ouvir vozes que diziam: «Olha, outro que foi para a terra da pisa da lã!». Nunca mais foram os mesmos como nunca mais acreditaram em quem tudo lhes oferecia. Aprenderam que muitas vezes «vale mais pescar o pouco peixe no rio que passa na frente da nossa casa que ir para junto do rio que não se conhece».
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Copyright © 2008. Todos os direitos reservados. O leitor não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida autorização do autor.
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