quinta-feira, 29 de maio de 2008

Partidas do destino








Por: António Centeio

Ainda pequenino, quando seus pais o levavam a passear até ao Paredão gostava de ver o mundo que o rodeava como tudo aquilo que o fazia funcionar. Às vezes perdia-se no tempo para que pudesse mirar o que mais lhe intrigava ou chamava a atenção Na tenra idade, quando tinha duvidas sobre o desconhecido, puxava as calças do pai para que este lhe desse atenção e explicasse por palavras fáceis de compreender aquilo que não sabia. Talvez por estas e outras razões bem cedo começou a mostrar um certa inteligência e um gosto pelo saber como «não pensar noutra coisa enquanto não descobrisse a causa da primeira».
Foi na longa avenida nazarena que pela primeira vez viu uma cigana perseguindo o pai para que lhe deixasse «ler a sina». Diálogo difícil porque o pai não acreditava nestas coisas de «sinas e muito menos na lengalenga das ciganas» que via neste método uma forma de ganhar a vida à custa da curiosidade ou ignorância dos outros, mas a mãe achou graça à desenvoltura da pequena nómada pedindo-lhe então que lesse as linhas das mãos do petiz.
O resultado foi que o casal durante semanas andou às avessas pelo que foi lido. Não levaram a coisa a sério mas Pedro levou. O resto da vida foi passado a remoer o que ouviu em criança. Nunca se esqueceu do que a saltimbanca lhe disse. «Nunca andes de avião porque se o fizeres morrerás». A partir do dia em que tais palavras foram ditas, quem pequeno foi e homem se tornou, fez os possíveis e impossíveis para nunca andar de avião.
De formação académica, dificilmente deixava alguém indiferente. Culto na convivência com os amigos estes espicaçavam-no para não acreditar no oráculo, o que aliás até lhe «ficava mal» visto ser um doutor famoso na região em cuja capacidade e talento os doentes confiavam plenamente.
Acreditava um pouco nas «partidas do destino» como nunca se esqueceu do «olhar esquisito da cigana» para além de «nunca devemos renunciar naquilo em que acreditamos». Por mais que tentassem convencê-lo a viajar de avião, a resposta era sempre negativa. Não bastasse, em termos de humor diziam-lhe os mais chegados «devemos olhar para traz e sorrir dos pesadelos passados».
Quando ia aos congressos da especialidade levados a efeito nos mais variados países usava todos os meios de transporte, menos o aéreo. Foi preciso um colega seu convidá-lo para ser padrinho de um dos seus filhos, cujo baptizado se realizou no Barlavento, para no fim de quase cinco décadas anos Pedro andar pela primeira vez de avião (Lisboa-Faro) .
«Quando se chega aos cinquenta anos, já se conhecerem todos os sentimentos fortes da vida e começa-se a ter outro distanciamento em relação da mesma» dizia-lhe o companheiro de viagem.
A viagem decorreu da melhor forma com o tempo passado na cavaqueira de detalhes profissionais. A situação do país também não deixou de vir à baila como discutiram os colóquios que se aproximavam porquanto tinha terminado a época de férias, altura em que os professores aliviam a agenda. Na mira, estava o mais importante, onde um consagrado neuro-cirurgião ia apresentar publicamente os resultados de um estudo.
O avião fez-se à pista e aterrou com normalidade, levando a que o colega e futuro compadre lhe dissesse que a sina afinal mais não tinha sido que «conversa fiada». Pedro e o amigo foram os primeiros a sair. Por razões desconhecidas ao descer o primeiro degrau da escada Pedro desequilibrou-se, batendo com a cabeça num degrau e vindo de seguida a rebolar pelos restantes, de tal forma, que teve morte imediata. Foi a sua primeira e última viagem e a revelação realizou-se.



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