quarta-feira, 28 de maio de 2008

As noites de Inverno


Por: António Centeio

As noites de Inverno fazem-me nostalgia. Lembro-me que na minha juventude era uma pessoa adaptável, bem capaz de me dobrar como um salgueiro ao vento quando fosse necessário. Hoje, o presente apenas reflecte as atribulações de um passado para descobrir que os anos voaram e os dias continuam a serem intermináveis. Este encontro leva-me a viver obcecado com o que já passou para ao mesmo tempo continuar a perder um pouco, sem saber como, daquilo que possa estar à minha frente. O homem é talvez o único ser cuja essência é não ter essência nenhuma.
Mais do que nunca, apenas a inspiração me dá forças para amar a vida. Faz com que os dias se sucedam mas que não se repitam. Precisamos de saber distinguir o que é passageiro do que é definitivo. Tenho que saber escolher. Nisto, reside a minha força e o poder das decisões que tenho que tomar no dia a dia. Para quem gosta da vida como eu, é normal sentir medo nos momentos certos, e nada para decidir como as noites frias do Inverno. É esta estação que me faz agasalhar para depois meditar e obter forças a fim de fazer algumas coisas que fiquem cá porque serão estas que recordarão a minha passagem. Foi num dia desta estação que me recordei de tempos que já não voltam mas que são lembrados frequentemente.
Conhecendo-nos um ao outro como nos conhecíamos era para mim como o irmão que nunca tive e que tanto gostava de ter. Desde a escola primária que os nossos dias eram passados juntos, ora nas aulas ora na casa de cada um, para acabarmos os dias na brincadeira.
No Santo António, logo que saímos da escola, íamos para sua casa. Aparelhávamos o velho burro à carroça para seguirmos viagem para o sobreiral procurar rosmaninho. Cortávamos o mesmo com uma velha faca para de seguida ser colocado num pequeno monte para quando atingisse a altura que considerássemos suficiente fosse acomodado em cima da carroça. Quando chegávamos com a carga era logo descarregado no meio do quintal. Novamente colocado num pequeno monte era logo todo molhado para que estivesse fresco para a noite da folia. Um quintal de terra que todos os dias era varrido pela mãe.
Uma santa mulher e uma óptima dona de casa que não queria que nos faltasse nada. Mal ouvia mexer no portão ia logo para a cozinha fazer o lanche, composto de: torradas, doces caseiros, marmelada e manteiga. Terminada a trasfega, obrigava-nos a ir para a mesa da cozinha. Só de lá saímos quando entendesse que tínhamos a barriga cheia. Minutos preciosos para nós porque pensávamos que o tempo não chegava para todos os planos que já haviam sido traçados com a devida antecedência.
Íamos buscar uma pequena escada de madeira para colocarmos compridos arames que serviriam de suporte aos enfeites e às lâmpadas para que a noite fosse divertida. Todos os nossos companheiros de turma à noite tinham que marcar presença para saltar à fogueira. Uma noite em que se viam os mais afoitos e os mais medrosos. Até à meia-noite podíamos brincar e saltar, sempre vigiados pelos donos da casa, não houvesse algum que pisasse o risco. Nunca esquecerei o cheiro que deitava o rosmaninho. Ainda hoje quando recordo estes momentos, fico com a sensação que o tempo voltou para trás. Durante alguns dias não se falava noutra coisa. A noite de Santo António na casa do Mário João dava origens a pequenas discussões na escola, por causa daqueles que não puderam participar na festa. Os estalidos das bombas de carnaval eram descritos de uma forma tão elucidativa que todos nos invejavam. O suficiente para no ano seguinte os pedidos de novos elementos aumentar. Dos que eram aceites, tinham que pagar uma pequena quantia em dinheiro. Depois sem ninguém saber, servia para comprar pirolitos a quem tinha apanhado a erva cheirosa.
Ainda mal sabíamos escrever, já demonstrava o seu enorme talento para o desenho, ao ponto de o professor lhe pedir que fizesse uso da sua sabedoria para nas paredes da aula os seus bonecos – como gostava de lhes chamar, estivessem expostos para alegria de todos.
Toda a gente nasce com algum talento especial. Bem cedo descobriu que o seu era a cenografia. Desde pequeno que os seus olhos reflectiam um brilhante futuro. Sabia que a sua inteligência lhe abriria uma grande carreira como nunca deixaria que a sabedoria pudesse ficar ofuscada pelo brilho da vaidade.
A terra que nos viu nascer era pequena demais para lhe poder retribuir aquilo que merecia – porque as coisas não são como nós queremos mas como elas querem. Terminado o ciclo dos estudos liceais rumou à capital. Só nesta estava as condições que tanto ambicionava. Estivemos algumas dezenas de anos sem saber um do outro.
Quando nos encontrámos, recordámos aquilo que o tempo levou para ficarmos a saber que o futuro continua a ser um mistério. Relembrou-me as palavras de José Saramago «a fama é como o vento, vai e vem». A vida é uma ilusão – dizia-me. Caminhamos para o fim da nossa incumbência terrena e um dia a Alma do Mundo ou as suas sombras levar-nos-ão para tudo acabar. Resta-nos que perdure na história aquilo que fizemos.
Só as pessoas com sentimentos e uma grande alma se apercebem com antecedência daquilo que os espera.
Aos possuidores de riqueza espiritual, esta, faz vê-los os caminhos dos escolhidos, privilegiando aqueles que optaram pela sabedoria para acabarem a sua missão num eterno descanso. Sinto no passar do tempo aquilo que só o Inverno me sabe conceder, a nostalgia.

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