segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Contradições




Por: António Centeio

Alta, seca, bem proporcionada de carnação pálida, olhos negros penetrantes e vivos, boca bem desenhada e voluntariosa, nariz direito, cara não descarnada mas com um quê de ossudo, não é bela mas fascinante. Orgulhosa da sua descendência tem enraizado no seu interior os cultos e rituais que estão escondidos pelo segredo hermético das suas crenças. De sua avó herdou a inflexível tenacidade e uma personalidade límpida. Admiro nela a sua honestidade e uma inabalável coragem como a virtude. Gosta de desfraldar os seus troféus oriundos dos conhecimentos filosóficos. Contraditória como é, sabe que na lógica das palavras e dos livros encontra a sabedoria para quem se lhe oponha. Muitas vezes quase tem sempre razão usando a oratória como escudo protector. A eloquência é a sua maior capacidade para surpreender quem a escuta. Defensora das coisas ocultas apenas se sente bem com quem saiba partilhar das suas crenças. Adora a filosofia de onde obtém a fé necessária para acreditar em certas coisas como aprecia todos os gestos sentimentais
«Trazemos dentro de nós todo o universo. Se penetrarmos dentro de nós próprios talvez possamos entender o mistério da vida. Afinal todos temos uma espécie de inteligência adormecida. Se a despertarmos então o leito da vida dar-nos-á aquilo que procuramos. Tudo tem o seu próprio valor. Quando usamos apenas a nossa razão, podemos compreender todas as normas imutáveis, porque a razão humana é justamente algo eterno e animoso».
Está dado o «mote» para iniciarmos mais um debate. São assim os nossos encontros já que as mais belas experiências prometem os domínios do mistério.
Da amizade e intimidade que fomos criando ao longo do tempo fiquei a saber que o seu passado está recheado de segredos os quais fizeram com que o seu percurso tenha sido bem difícil mas nunca lhe tirando a sua grandeza de ser humano que é.
Seu pai foi um homem activo e empreendedor. Amigo de paródias e de mulheres fáceis foi gastando o deixado por herança de família. Uma boa casa voltada para o mar, terrenos a mais não ver. Uma fábrica de cortiça era a fonte de rendimento de toda a família, mas os encargos vindos desta eram superiores às receitas. Sua mãe sabia que mais tarde ou mais cedo algo iria surgir para o suporte da clã se fragilizar. Era impossível sustentar com os poucos rendimentos outras mulheres para além da própria e filha.
Quanto tudo acabou consumido pela doença e da vida dupla consagrada às horas perdidas, mais não lhe restou vender o pouco que sobrou para educar a sua filha. A mãe com a experiência da vida que tinha suplicou-lhe que tirasse um curso superior para que um dia nunca precisasse de ninguém e que pudesse ter a sua independência. O ensino recebido valeu-lhe para aquilo que é hoje.
A marca do passado como do ambiente em que viveu teve o embate esperado na sua alma fazendo com que nunca tivesse qualquer amparo mas sim sempre a sua independência. Com a companhia de uma solidão temporária, tempo foi coisa que nunca lhe faltou para acumular os conhecimentos obtidos que tão úteis lhe tem sido no presente, para na sua casa com os seus amigos deleitar-se com a essência dos mistérios do oculto e a magia secular. Embora projecte uma impressão exterior de frivolidade não é tão frívola como parece. É uma pensadora e muito inteligente nunca precisando de correr atrás da fama mas nunca se desviando dela. Nunca esqueceu nenhuma das lições que a vida lhe ensinou nem as lições que a história ensinou à humanidade.
Foi a sua luta e independência que fez com que hoje nunca desista daquilo que quer. É persistente como um caranguejo: se sacrifica uma pinça cresce-lhe outra nova, de modo a poder agarrar novamente com a mesma tenacidade a vida.

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